Margaret Pelicano

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A UMA FAMÍLIA ESPECIAL

SERENATA, ALEGRIA DAS MADRUGADAS
Margaret Pelicano

Mormente o mormaço incomodasse, eles continuavam catando café. Sacas e mais sacas intermináveis da preciosa bebida. Era assim que ganhavam o sustento. Naquela rua, quase todo mundo vivia do café!
Uma pequena sala, amontoada de sacas limpas e a limpar, dois pequenos quartos amontoaddos de camas, sempre a arrumar, colchões de penas de galinha bem fofos, travesseiros de paina que me faziam espirrar, dois urinóis embaixo da cama; uma cozinha maior, entulhada de panelas velhas e encarvoadas, um fogão à lenha onde o pretinho fumegava o dia todo no bule e era saboreado por ser puro, sem casca. Viver da cata dava um sono inclemente, e o café despertava! O banheiro era de buraco no chão, latrina, lá no fundo do quintal, lado esquerdo, a cisterna, mais abaixo, lado direito, entre os dois uma bela jabuticabeira.
O banho era em bacia de zinco, um atrás do outro, na mesma água. Coitado do último a chegar. As toalhas de banho, os panos de prato, as toalhas da mesa da cozinha, tudo feito de saco de algodão alvejado, até os lençóis.
Eu descia de minha casa, lá no centro da cidade, percebia as calçadas e as ruas se estreitando, passava por uma mina de água que escorria pelas ruelas, e, cantarolava de felicidade. Ia ver meus amigos. Chegava, acordava um ou outro que havia ficado catando café até tarde, enquanto o pai tocava violão e a mãe xingava pela fome que passava!
Às vezes uma das irmãs voltava a dormir. Eu me sentava também na mesa da sala e me distraía retirando as pedras dos grãos. Ali cantávamos juntos, ouvíamos piadas engraçadas do pai, comíamos arroz com feijão puro, vez em quando um torresminho. No lanche da tarde, uma baciada de jabuticaba no centro da mesa. Eu ajudava no trabalho e na comida! Eram vários plocs, plocs, plocs, a frutinha arrebentada na nossa boca. No chão de terra batida, caiam as palhas do café, as pedrinhas e os caroços da jabuticaba. Uma hora ou outra, alguém vinha e varria a sujeira. Novamente a mãe reclamava: - joguem as sementes da jabuticava na lata de óleo vazia! - Servem para alimentar os porcos! - Fulano, busque a lavagem na casa da sra "X". Se tiver carne jogada dentro da lavagem, retire e lave, que eu tempero aqui em casa e faço uma farofa!
Meu estômago enjoava! Porém, o resto era uma delícia!
Eram tempos bons, em que a gente não tinha medo de andar pelas ruas, andávamos em grupo e todos se conheciam.
Minha mãe me levava aos bailes da Liga Operária, e com ela ia a moçada da vizinhança. Frequentavámos também as matinês do carnaval, depois os bailes noturnos. A festa se prolongava pelas ruas da cidade, tamanho o prozeiro da ida e da volta!
O tempo levou consigo esta pobreza e esta alegria! Deixou uma filha formada em Letras, duas em Direito. O mais velho sofreu derrame jovem, de tanto trabalhar em São Paulo e ainda me reconhece quando vou visitá-lo; outra irmã vive nos fundos da casa, casou-se com um drogado que morreu de AIDS; o caçula, depois do vício das drogas, tornou-se evangélico e prega a bíblia pelas ruas. O pai violeiro, alegria das madrugadas e serenatas para as moças, quando era contratado, está falecido. Que pena seu Geraldo, que pena...as lágrimas escorrem pelo meu rosto, sinto saudades! E à mãe, D.Thereza, ainda viva, eu tiro o meu chapéu, coloco tapete vermelho para a sra. passar e entrego um buquê de rosas, pela garra que sempre teve!

Brasília - 17/07/2008

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escrito por Margaret Pelicano às 18:51

2 Comentários:

Obrigado menina Margaret por essa Crônica que nos permitiu
adentrar dentro da estória, vivenciando os momentos que você
tão bem descreveu com as saudades de sua alma!

Karinhos Kentinhos,
ZecAdi

18 de julho de 2008 às 18:54  

Parabéns, pela emoção que nos causa, aumentando nossas esperanças
neste mundinho... e nas almas nele inda viventes, pelo "amor em acção"
por esses irmãozinhos nossos, com os olhares cheios de amor!

"Deus os abençoe"!

ZecAdi

18 de julho de 2008 às 18:55  

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