Margaret Pelicano
domingo, 27 de julho de 2008
QUISERA TER UMA CASA, DEPOIS UMA ÁRVORE NO QUINTAL, DEPOIS UM BANCO EM BAIXO....DEPOIS...OUVIR MINHAS CONFIDÊNCIAS!
O CANTO DO CURIÓ
Havia uma velha árvore no jardim da velha casa, da velha senhora.
Viveram juntas muitas estações e à sombra dessa amiga a senhora sonhou seus mais belos sonhos, viveu seus juvenis romances e muitas vezes chorou. A companheira que também já fora jovem, despejara sobre a cabeça da menina, depois jovem e hoje uma velha senhora, suas flores e durante muitas primaveras, se desfolhara em muitos outonos dourando o chão e aquecendo invernos de esperas.
Juntas dividiram seus momentos mais importantes ao longo do tempo. Compartilharam emoções, flores e frutos e misturaram suas lágrimas em tempo de sofrer. Sabiam muito uma da outra e se compreendiam, num mundo só delas.
Os pássaros de todo o céu sempre ali pousavam e, cantando, as embalavam. Ouviam suas confidências trocadas em tardes de devaneio. A cada estação voltavam, faziam seus ninhos e à sombra das folhas amigas cantavam seus cantos de amor.
E assim a velha senhora e a velha árvore, sempre juntas, viam o tempo passar e menos pássaros a cantar.
Como o tronco da árvore foi sendo marcado por intempéries, adquirindo majestosa aspereza que contavam uma história de vida, também o rosto da menina que se tornou uma bela jovem e, com o tempo, uma velha senhora, trazia em sua pele fina, marcas onde risos e lágrimas desenharam delicados arabescos. Os cabelos brilhantes que a árvore cobrira de flores de primavera e folhas douradas de outono já não eram os mesmos. Passara do colorido da mocidade para a imaculada brancura que o tempo tornara em cintilante coroa.
A velha senhora, sempre junto à companheira, usufruía momentos de intimidade, compartilhando seus amores e suas dores, fossem ventos violentos, brisa suave ou chuva refrescante, viviam seu outono. As chuvas, se lhes davam presentes dos céus, também deixavam-nas separadas, porém nunca distantes na sua perfeita comunhão. Seus corações vibravam na mesma sintonia, mesmo tendo entre elas um prosaico vidro de uma janela.
Assim os anos se sucedendo, a vida acontecendo e cada uma florescendo, dando frutos e enfeitando o mundo com suas vidas, viram chegar o tempo em que ficaram sós naquele jardim deserto da mansão vazia e cheia de silêncios. Vozes que voltavam, em ecos do ontem, ecoavam pelas paredes gélidas, antecâmara de um túmulo.
Muitas vezes se perguntavam qual das duas partiria primeiro, se a velha arvore, abatida pela ventania, com seus fracos e desnudos galhos ou a velha senhora com suas trôpegas pernas e sua vista cansada.
Os pássaros ali já quase não pousavam e os ouvidos da velha senhora já não ouviam muitas vozes ao seu redor.
Uma tarde, a velha senhora, sentada junto à amiga de tantos viveres compartilhados, em silêncio meditava. Não precisavam se falar tanto se conheciam. Suas saudades eram idênticas e seus sonhares tornaram-se tímidos. Perderam o vigor sabendo, porém, que qualquer que fosse o destino de cada uma delas a outra estaria presente e, pouco esperando, ainda sonhavam utópicos sonhos.
Voando um vôo jovem, cheio de confiança, exibindo o brilho de sua plumagem luminosa, cansado de um longo vôo para suas frágeis asas de pássaro menino, ali pousou um curió deixando que seu canto inundasse aquele jardim deserto onde havia apenas uma velha árvore e uma sonolenta senhora.
Como milagre, a velha árvore balançou seus ressequidos galhos onde poucas folhas teimavam em viver últimos verdores e, com desenvoltura inesperada, a velha senhora aprumou suas costas cansadas apurando seus ouvidos e surpresas deixaram aquela voz de milagre envolvê-las, penetrando-lhes todos os sentidos. De seus corações às suas peles enrugadas renderam graças à tão inesperada surpresa.
O jovem curió, ignorando o que acontecia tão perto dele e o milagre que produzira, ficou por instantes planejando vôos mais longos. Sacudindo sua mocidade, com suas plumas eriçadas, partiu deixando nas duas amigas um alo de ilusão.
A vida não mudara tanto. Ainda havia um jovem curió para trazer-lhes sopros de vida, cantos de esperança. Talvez um dia voltasse...
Você conhece algum curió que canta em velhas árvores, para velhas senhoras em jardins vazios e cheios de silêncios?
Conte esta história para ele, quem sabe um dia ele cantará para nós?
Maria Augusta Christo de Gouvêa - BH - 82 anos de luta em defesa da natureza!
Havia uma velha árvore no jardim da velha casa, da velha senhora.
Viveram juntas muitas estações e à sombra dessa amiga a senhora sonhou seus mais belos sonhos, viveu seus juvenis romances e muitas vezes chorou. A companheira que também já fora jovem, despejara sobre a cabeça da menina, depois jovem e hoje uma velha senhora, suas flores e durante muitas primaveras, se desfolhara em muitos outonos dourando o chão e aquecendo invernos de esperas.
Juntas dividiram seus momentos mais importantes ao longo do tempo. Compartilharam emoções, flores e frutos e misturaram suas lágrimas em tempo de sofrer. Sabiam muito uma da outra e se compreendiam, num mundo só delas.
Os pássaros de todo o céu sempre ali pousavam e, cantando, as embalavam. Ouviam suas confidências trocadas em tardes de devaneio. A cada estação voltavam, faziam seus ninhos e à sombra das folhas amigas cantavam seus cantos de amor.
E assim a velha senhora e a velha árvore, sempre juntas, viam o tempo passar e menos pássaros a cantar.
Como o tronco da árvore foi sendo marcado por intempéries, adquirindo majestosa aspereza que contavam uma história de vida, também o rosto da menina que se tornou uma bela jovem e, com o tempo, uma velha senhora, trazia em sua pele fina, marcas onde risos e lágrimas desenharam delicados arabescos. Os cabelos brilhantes que a árvore cobrira de flores de primavera e folhas douradas de outono já não eram os mesmos. Passara do colorido da mocidade para a imaculada brancura que o tempo tornara em cintilante coroa.
A velha senhora, sempre junto à companheira, usufruía momentos de intimidade, compartilhando seus amores e suas dores, fossem ventos violentos, brisa suave ou chuva refrescante, viviam seu outono. As chuvas, se lhes davam presentes dos céus, também deixavam-nas separadas, porém nunca distantes na sua perfeita comunhão. Seus corações vibravam na mesma sintonia, mesmo tendo entre elas um prosaico vidro de uma janela.
Assim os anos se sucedendo, a vida acontecendo e cada uma florescendo, dando frutos e enfeitando o mundo com suas vidas, viram chegar o tempo em que ficaram sós naquele jardim deserto da mansão vazia e cheia de silêncios. Vozes que voltavam, em ecos do ontem, ecoavam pelas paredes gélidas, antecâmara de um túmulo.
Muitas vezes se perguntavam qual das duas partiria primeiro, se a velha arvore, abatida pela ventania, com seus fracos e desnudos galhos ou a velha senhora com suas trôpegas pernas e sua vista cansada.
Os pássaros ali já quase não pousavam e os ouvidos da velha senhora já não ouviam muitas vozes ao seu redor.
Uma tarde, a velha senhora, sentada junto à amiga de tantos viveres compartilhados, em silêncio meditava. Não precisavam se falar tanto se conheciam. Suas saudades eram idênticas e seus sonhares tornaram-se tímidos. Perderam o vigor sabendo, porém, que qualquer que fosse o destino de cada uma delas a outra estaria presente e, pouco esperando, ainda sonhavam utópicos sonhos.
Voando um vôo jovem, cheio de confiança, exibindo o brilho de sua plumagem luminosa, cansado de um longo vôo para suas frágeis asas de pássaro menino, ali pousou um curió deixando que seu canto inundasse aquele jardim deserto onde havia apenas uma velha árvore e uma sonolenta senhora.
Como milagre, a velha árvore balançou seus ressequidos galhos onde poucas folhas teimavam em viver últimos verdores e, com desenvoltura inesperada, a velha senhora aprumou suas costas cansadas apurando seus ouvidos e surpresas deixaram aquela voz de milagre envolvê-las, penetrando-lhes todos os sentidos. De seus corações às suas peles enrugadas renderam graças à tão inesperada surpresa.
O jovem curió, ignorando o que acontecia tão perto dele e o milagre que produzira, ficou por instantes planejando vôos mais longos. Sacudindo sua mocidade, com suas plumas eriçadas, partiu deixando nas duas amigas um alo de ilusão.
A vida não mudara tanto. Ainda havia um jovem curió para trazer-lhes sopros de vida, cantos de esperança. Talvez um dia voltasse...
Você conhece algum curió que canta em velhas árvores, para velhas senhoras em jardins vazios e cheios de silêncios?
Conte esta história para ele, quem sabe um dia ele cantará para nós?
Maria Augusta Christo de Gouvêa - BH - 82 anos de luta em defesa da natureza!
1 Comentários:
Alo Meg!!
Bárbara sua referência e palavras em homenagem ao texto de Maria Augusta. Já conversei com ela várias xs através de e-mail e posso atestar que é uma das pessoas mais lúcidas e conscientes que eu conheço.
Bjs às duas,
Maria Helena
Postar um comentário
<< Home