Margaret Pelicano

terça-feira, 14 de outubro de 2008

As maravilhas de Ariano Suassuna


MARAVILHAS (Adaptado)
Margaret Pelicano

Ele colocou o relógio de bolso sobre a mesa e começou a discursar sobre a cultura brasileira, sobre ser especialista em português medieval, sobre nosso desconhecimento da língua e da nossa cultura. - Gosto de falar e poderia extrapolar, deixo aqui o marcador antigo. Nada de celular, nada moderno, Afirmou que não é contra a tecnologia, mas que ela não pode nos engolir, não pode ser devastadora. Parece-me que os mais velhos correm contra o tempo, tem muito o que expressar ainda, mas a irmã morte vem e os leva sem terminarem o seu trabalho. Lembrei-me por instante do meu pai e do relógio de bolso dele, também querendo ficar, também querendo viver mais...Mas voltemos a Ariano Suassuna...
Pediu para colocar uma música e perguntou: - alguém reconhece esta música? E a platéia gritou: - sim é uma música espanhola. - E esta? Esta é uma música brasileira.
- Pois é. Disseram-me certa vez na Universidade de Pernambuco, que não temos cultura própria. Que nossa cultura é somente um episódio dentro da cultura ocidental. Querem ver como temos cultura? Coloquem aí por favor uma dança erudita do nordeste: um dobrado! A seguir veio um maracatu, depois um maxixe....e sucederam-se exemplos de brasilidade, na música, na dança, nos instrumentos brasileiros. E completou: Isto é só no nordeste, imaginem pelo Brasil à fora. Se reconhecemos uma música espanhola, reconhecemos também uma música brasileira, ora bolas...Se se reconhece a cultura deles, reconhece-se também a nossa!
E os exemplos não pararam.
Certa vez, perguntaram a ele se estava escrevendo outro livro, ele disse: - sim!
- Tem sol? - Tem?
- Tem seca? - Tem.
- Tem cangaceiro? - Tem.
- Ah! Mas estamos cansados deste tema, sr.
E ele: - Como? -Tolstoi, Dostoiévski, só escreveram sobre frio, neve, as estepes russas, as danças russas, o povo soviético, etc. Victor Hugo, sobre a miséria dos seres, a fome a pobreza na França do século XIX, alguns laivos de bondade como a adoção. Eu sou nordestino, devo escrever sobre o que conheço e sinto nas estranhas (adaptado). Agora vejam só: Nunca disse a ninguém como escrever, mas todos querem dizer como tenho que fazê-lo, só me falatava esta! Foi ovacionado pelo público!
Aí percebi, como a gente tem sede de ser como realmente é. Como o grupo social precisa ser mais autêntico, aceitar o outro na sua simples e extrema verdade.
Que fique para nós esta lição de Ariano Suassuna e que celebremos com ele a oportunidade do mestre ensinar e nós aprendermos. Um brinde ao sexto ocupante da cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras, que estava lindo de branco, infestando o auditório de maravilhas.

Brasília - 14/10/2008

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escrito por Margaret Pelicano às 14:34

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