Margaret Pelicano
terça-feira, 14 de julho de 2009
O GIF é presente de Natal da Marilda...
SOU DO TEMPO...
Margaret Pelicano
Nasci no tempo em que existiam sapateiros e sapatarias. Época de poucos sapatos. Quando eles furavam pelo uso constante, ou cambeteavam, fazia-se meia sola ou tracava-se o salto.
Nesta época, remendavam-se roupas para que elas durassem mais e de tanto remendar dizia-se: 'remenda-se mais uma vez, dura mais um mês.' Comprava-se um ovo de pedra para colocar na ponta das meias ou no calcanhar e remendá-los corretamente também. Sou de terra de muito frio, descartar meias, jamais. As meias finas das mulheres, tinham uma bela costura atrás, deixavam as panturrilhas lindas, chamavam a atenção, eram sensuais. Quando principiavam a desfiar, colava-se o fio teimoso com uma gotinha de esmalte. Ela durava mais umas boas lavadas, embelezando as pernas torneadas..
Faziam toalhas de saco curtido, bem branquinho. Como eu era criança e no interior eram poucas as TVs, as adolescentes divertiam-se fazendo bainhas, franjas e bordando ponto cruz nas toalhas de saco à noitinha, e o dedo de prosa se esticava, enquanto se trabalhava.
Era época difícil, de pouca indústria, de viajantes indo de cidade em cidade, como ciganos, oferecendo os seus produtos. Época do meu pai viajante, às vezes de calçados, noutras de alumínio. Quando ele voltava das suas longas viagens costumava trazer caixas de pêssegos que derretiam na boca, latas de vinte litros com balas variadas outras repletas de biscoitos maizena e maria. Como eu ficava orgulhosa dele. Distribuía para os amigos da vizinhança que até hoje se lembram disto.
Costureiras eram famosas. Íamos às lojas para escolher o tecido, comprado à metro e faziam-se roupas sob medida. Conseguir um espaço com estas modistas era entrar na agenda de meses e aguardar. Aí usávamos uma psicologia inata: era agradar, elogiar e presentear a artista.
Naquela época, os ternos eram de linho branco, difíceis de lavar e passar, e tinham que estar quebrando de tão alinhados. O fogão era de lenha com forno acoplado. A comida saborosa, cozida lentamente; as frutas mais doces. Tirava-se o macuco do pé com caco de telha, quando este encardia por andarmos descalças.
Preparava-se o Natal com muita antecedência, raspando figos, pêssegos; ralando cidra, encomendando muitos litros de leite, para os doces. Um mês antes era uma faina: fazer pão com torresmo, roscas de desfiar no boca de tanto sovar, rosquinhas de nata e pinga, palitos 'champanhe' e armazenar em latas de 20 litros, sempre muito cobiçadas por serem hermeticamente fechadas e não deixarem nada se estragar. O porco do ano, engordado, coitado...era morto longe dos nossos olhos, limpo temperado, transformado em saborosas linguiças e a carne... guardada em banha...o torresmo trincava na boca
Sou do tempo em que as mulheres riam com 'glamour', educadamente. Como fujo à regra, acho que quebrava taças de vidro (e não de cristal!) com minhas gargalhadas que minha mãe nunca conseguiu educar.
Sou do tempo de sair da Escola de Comércio à noite, voltar para casa com ruas pouco iluminadas e ter medo de assombrações, nunca de gente; de enfiar a faca na bananeira e no dia de Santo Antônio retirar, para ler ali gravado, o nome do namorado.
Sou do tempo em que os estudantes desfilavam no 7 de setembro e tinham noção de nacionalidade. Como disciplina estudavam Moral e Cívica no Ensino Médio, e Estudo dos Problemas Brasileiros na faculdade.
Sou do tempo de torrar e moer café em casa e ele não fazer mal. Sou do tempo em que os homens fumavam cigarro de palha e não me lembro deles morrerem com câncer de pulmão.
Sou do tempo do Crush, da limonada caseira, das primeiras calças Lee, do tênis Bamba, de charretes, carros de boi. Sou do tempo da vergonha na cara, que nunca perdi, graças a Deus, pois hoje poderia não mais encontrar.
Brasília - 12/07/2009
Margaret Pelicano
Nasci no tempo em que existiam sapateiros e sapatarias. Época de poucos sapatos. Quando eles furavam pelo uso constante, ou cambeteavam, fazia-se meia sola ou tracava-se o salto.
Nesta época, remendavam-se roupas para que elas durassem mais e de tanto remendar dizia-se: 'remenda-se mais uma vez, dura mais um mês.' Comprava-se um ovo de pedra para colocar na ponta das meias ou no calcanhar e remendá-los corretamente também. Sou de terra de muito frio, descartar meias, jamais. As meias finas das mulheres, tinham uma bela costura atrás, deixavam as panturrilhas lindas, chamavam a atenção, eram sensuais. Quando principiavam a desfiar, colava-se o fio teimoso com uma gotinha de esmalte. Ela durava mais umas boas lavadas, embelezando as pernas torneadas..
Faziam toalhas de saco curtido, bem branquinho. Como eu era criança e no interior eram poucas as TVs, as adolescentes divertiam-se fazendo bainhas, franjas e bordando ponto cruz nas toalhas de saco à noitinha, e o dedo de prosa se esticava, enquanto se trabalhava.
Era época difícil, de pouca indústria, de viajantes indo de cidade em cidade, como ciganos, oferecendo os seus produtos. Época do meu pai viajante, às vezes de calçados, noutras de alumínio. Quando ele voltava das suas longas viagens costumava trazer caixas de pêssegos que derretiam na boca, latas de vinte litros com balas variadas outras repletas de biscoitos maizena e maria. Como eu ficava orgulhosa dele. Distribuía para os amigos da vizinhança que até hoje se lembram disto.
Costureiras eram famosas. Íamos às lojas para escolher o tecido, comprado à metro e faziam-se roupas sob medida. Conseguir um espaço com estas modistas era entrar na agenda de meses e aguardar. Aí usávamos uma psicologia inata: era agradar, elogiar e presentear a artista.
Naquela época, os ternos eram de linho branco, difíceis de lavar e passar, e tinham que estar quebrando de tão alinhados. O fogão era de lenha com forno acoplado. A comida saborosa, cozida lentamente; as frutas mais doces. Tirava-se o macuco do pé com caco de telha, quando este encardia por andarmos descalças.
Preparava-se o Natal com muita antecedência, raspando figos, pêssegos; ralando cidra, encomendando muitos litros de leite, para os doces. Um mês antes era uma faina: fazer pão com torresmo, roscas de desfiar no boca de tanto sovar, rosquinhas de nata e pinga, palitos 'champanhe' e armazenar em latas de 20 litros, sempre muito cobiçadas por serem hermeticamente fechadas e não deixarem nada se estragar. O porco do ano, engordado, coitado...era morto longe dos nossos olhos, limpo temperado, transformado em saborosas linguiças e a carne... guardada em banha...o torresmo trincava na boca
Sou do tempo em que as mulheres riam com 'glamour', educadamente. Como fujo à regra, acho que quebrava taças de vidro (e não de cristal!) com minhas gargalhadas que minha mãe nunca conseguiu educar.
Sou do tempo de sair da Escola de Comércio à noite, voltar para casa com ruas pouco iluminadas e ter medo de assombrações, nunca de gente; de enfiar a faca na bananeira e no dia de Santo Antônio retirar, para ler ali gravado, o nome do namorado.
Sou do tempo em que os estudantes desfilavam no 7 de setembro e tinham noção de nacionalidade. Como disciplina estudavam Moral e Cívica no Ensino Médio, e Estudo dos Problemas Brasileiros na faculdade.
Sou do tempo de torrar e moer café em casa e ele não fazer mal. Sou do tempo em que os homens fumavam cigarro de palha e não me lembro deles morrerem com câncer de pulmão.
Sou do tempo do Crush, da limonada caseira, das primeiras calças Lee, do tênis Bamba, de charretes, carros de boi. Sou do tempo da vergonha na cara, que nunca perdi, graças a Deus, pois hoje poderia não mais encontrar.
Brasília - 12/07/2009
Marcadores: Crônica
7 Comentários:
Ops, comentei no lugar errado, Oilan...kkkkkkkkkkkkkkkk
Bom dia Meg amada companheira de recordações...
Como nossa vida era diferente, saudades do tempo que se foi.
Agora no começo do ano, lidando com a casa dos meus pais
encontrei um pouco do tempo antigo, vidros para compota, muitos,
o tacho de cobre para doces, o fogão de lenha, (salvo, vou usar um dia)
a lamparina para iluminar a imagem do nosso Jejus. Uma máquina de
costura com pedal, lembra? Alguns enfeites de Natal, sacos ainda sem uso,
daqueles grossos que nunca tem fim.Uma caderneta com as despesas do mês
tudo tão simples, tão certo. Muitas cartas trocadas, incluindo minhas...Bons tempos, velhos tempos, amiga a gente era feliz e não sabia.
Obrigada por relembrar,
beijos de bom dia
Indy
Lindo demais! Parabéns poeta, Maria Luiza Bonini
Amei!!!!
Graças à Deus também sou deste tempo...
macuco do pé? Essa eu não conheço...kkkkk
mas eu sou mais ou menos desse tempo
bjsssssssssssssssssssssssssssssssssss adoro o que vc escreve!
Adorei, Roze Alvez
Delicia ler voce maninha, nesse adoravel relato
beijinhos ternos e meus aplausosas carinhoso cheios de saudades
Arneyde
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